quarta-feira, 30 de junho de 2010

Ele tem 23 anos. Tímido, dono de olhos negros muito expressivos está vestindo calça jeans, tênis e camiseta. Passaria por um jovem comum entre tantos que andam por aí movidos por ideais e sonhos, construindo suas histórias, não fosse pelo rosto pintado e o lindo cocar que usa sobre os cabelos lisos e brilhantes.

Ele é um índio. Mais do que isso, é um pajé ! Pajé Txana Dasu. Mas como assim pajé? Você, amigo leitor, deve estar se perguntando, pois eu também fiz a mesma pergunta para ele. O próprio explica com uma fala mansa característica dos que usam o tempo sem pressa ou sofreguidão, mas com sabedoria: “Eu sou da tribo Huni Kuin Kaxinawa. Vim do Acre e aprendi a pajelança com a minha mãe. Mas eu também nasci com esse dom, dom de Deus, que a gente recebe. Dom gratuito que não pode ser cobrado. É para ajudar o irmão.”

Sensibilidade e profundidade são marcas da personalidade desse pajé que há sete meses está em São Paulo, na região de Barueri, fazendo o que ele mesmo chama de intercâmbio cultural. Desenvolvendo o xamanismo ele trabalha na sua comunidade com a farmácia natural ou Medicina da Floresta, aquela que considera o homem holisticamente, mais que um corpo a ser tratado. Mais precisamente, um corpo habitado por um espírito, por uma psique, que se relaciona com o meio ambiente permanentemente por ser parte dele.

O xamanismo tem como referência o Universo e os arquétipos do Xamã. Está focado no autoconhecimento, nos dons e potencialidades vindos da percepção, da intuição e da sensibilidade que vai lá, buscar na essência humana o porquê das doenças, das fragilidades. A cura se dá através do uso e manipulação de ervas com banhos, beberagens, chás, defumações. Pesquisas revelam que o xamanismo é prática espiritual das mais antigas na história da humanidade, conta-se mais de cem mil anos. Os índios Kaxinawas, possuem uma visão xamânica baseada no yuxin. O que isso significa? Para eles a espiritualidade não é algo sobrenatural, mas, incorporada à natureza, está na fauna e na flora, em tudo o que os cerca. Essa presença espiritual permeia tudo, é organismo vivo na terra, na água, nos céus. Por isso eles mais que respeitam o meio ambiente, eles o reverenciam. Faz sentido. Sem a sustentabilidade, sem a preservação das florestas para os Kaxinawas não há vida. Assim, para o xamã que procura conhecer e se relacionar com o yuxin, é indispensável o bem estar da sua comunidade. O pajé Txana Dasu comenta que o xamanismo e a pajelança ensinam o homem a valorizar tudo o que é sagrado, o que se sente, o que se sonha, como se vive e se relaciona com a Mãe Terra.

Resgato uma afirmação feita por ele a respeito do bem estar que devemos desfrutar para termos saúde. Pergunto: “Mas pajé então as doenças do homem branco estão relacionadas com o desenvolvimento urbano e o progresso?” A resposta vem acompanhada de argumentação sólida. Diz ele: “O homem branco, das cidades, não tem a mesma compreensão que o índio. O índio nas florestas é muito mais tranquilo. Na cidade você se alimenta com alimentos que não trazem a saúde. O índio já tem uma alimentação diferente do branco. (“...) As doenças, vem surgindo por causa de muita poluição. A Medicina da Floresta limpa o corpo e o espírito”.

Espírito de sobrevivência, diríamos nós se considerarmos a trajetória de nossos irmãos indígenas, olhando a nossa própria história. A comunidade dos Kaxinawas, assim como os Animawa Kampa, os Kutukinas, os Kontanaya e tantas outras que habitavam o alto Juruá enfrentaram dizimação em massa por causa dos processos de exploração. No século dezoito, foram os colonizadores em busca de escravos. No século dezenove, as invasões tornaram-se frequentes em função da borracha, obrigando os índios a mudanças culturais e de convívio que acabaram trazendo doenças para eles desconhecidas até então, como o caso do sarampo.

De acordo com o Censo de 2000 existiam 1400 habitantes da etnia no Brasil, enquanto que na Amazônia Peruana, apontava para 3964 habitantes desta comunidade. Vivendo do manejo de árvores na floresta, plantando especialmente aquelas destinadas à construção de canoas e casas, os Kaxinawas também cultivam feijão, mandioca, milho, banana, abacaxi, amendoim e algodão em roçadas. O algodão é usado intensivamente pelas mulheres Kaxinawas, que inspiradas na habilidade da aranha, tecem lindas esteiras e cestos com desenhos chamados Kene Kuim. Elas usam tinta de jenipapo, para também adornarem seus corpos em festividades como casamentos, passagem da vida infantil para a adulta e outros ritos valiosos na cultura indígena. A caça é de uso exclusivo do homem que profundo conhecedor dos hábitos e costumes dos animais, consegue imitá-los.

E exatamente por causa dessa riqueza cultural e visão sempre atual de preservação e sustentabilidade que o movimento ecológico – Movieco, sediado em Barueri convidou o pajé para uma conversa esclarecedora com o “homem branco” na II semana do Meio Ambiente, realizada no Ganha-tempo, coração do município. Lilian Pereira, que trabalha como controladora de acesso e segurança, passava por ali no momento em que o pajé dava informações sobre os costumes de seu povo. Respeitosa, pediu licença e de posse do microfone disse: “Vocês são verdadeiros heróis, defendendo a Amazônia que é o coração do Brasil.”

Ela tem razão se pensarmos na mensagem que o pajé traz a todos nós para reflexão; diz ele: “O que eu posso dizer com muito respeito e humildade é que o homem branco tenha mais consciência dentro de si e que a Mãe Terra é muito importante para nós, porque é dela que a gente tira o pão nosso de cada dia. Essa terra está sendo explorada; não há compreensão de respeitar. (...) Hoje o homem branco não chega na beira do rio. As florestas não existem mais!”

Nos próximos três anos, o pajé que foi substituído temporariamente na função entre os Kaxinawas, está com uma agenda parecida com a do “homem branco”. Ele viajará pelo Brasil e para a Índia, levando sua mensagem de um mundo mais saudável, sustentável e preservado.