terça-feira, 27 de abril de 2010

O HAITI SOB O OLHAR DE UM JOVEM BRASILEIRO




Pouco tempo depois do Haiti ter sido violentamente sacudido pelo terremoto que aconteceu no dia 12 de Janeiro desse ano, deixando um saldo de 200 mil mortos, 500 mil desabrigados e 250 mil feridos, meu filho Eduardo partiu para o país caribenho.
Duda é oficial-da-marinha brasileira e piloto de helicóptero. Ele estava a serviço do Destacamento Aéreo Embarcado do Primeiro Esquadrão de Helicópteros de Emprego Geral com sede em São Pedro da Aldeia no Rio de Janeiro, e voa o helicóptero Esquilo, apelidado de Tudão, por seu emprego geral, entre alguns a busca e o salvamento.
Minha nora Dulce apoiou Duda nessa missão entendendo seu caráter humanitário. Todos nós vimos aí uma grande oportunidade de exercício humanitário, uma dessas chances que a vida nos dá de sermos úteis e vivermos de fato a solidariedade.
Pedi então ao meu filho que me contasse informalmente o que viveu, sentiu e percebeu dessa tão rica experiência, que agora compartilho com você!
Duda já tinha estado no Haiti no ano anterior em missão de paz pela Marinha Brasileira que atuava assim como nosso Exército e nossa Força Aérea com a ONU na MINUSTAH - Mission des Nations Unies pour la stabilisation en Haiti. Ele relembra a situação naquela época: " Vi um país, assolado por uma miséria sem precedentes nas Américas, instabilidade política e falta de segurança para sua população, provenientes de um histórico de exploração colonialista, aliado a uma economia frágil. Esses foram grandes argumentos para o estabelecimento desde 2004 do Brasil chefiando uma missão de paz da ONU, a MINUSTAH"
Lembro de sentarmos juntos para ver as fotos que ele tirou e que apesar de tudo registravam um povo alegre e sorridente sob um céu muito azul e um mar deslumbrante. Após o terremoto, o cenário ficou totalmente comprometido. As fotos que vimos depois falavam de uma condição ainda mais dolorosa e difícil para os nossos irmãos caribenhos.
O mundo então parou para se unir no socorro aos sobreviventes enviando navios, aviões e porta-aviões para Porto Príncipe, capital do Haíti e epicentro do terremoto. Duda junto com oficiais, marinheiros, enfermeiros e médicos brasileiros embarcaram no navio italiano Cavour que também seguiu para lá: "A Itália havia destacado para a missão o  Navio-Aeródromo Cavour, uma novíssima belonave, capitânia da Marina Militare Italiana.O embarque dos brasileiros ocorreu às nove horas da manhã, de uma quinta-feira chuvosa no porto de Mucuripe, em Fortaleza. Dirigimo-nos para Mucuripe a 1ooo pés, e após receber autorização do Controle de Fortaleza, descemos para 500 pés a fim de nos posicionarmos no Delta do navio ao seu bombordo, pois o mesmo se encontrava atracado por boreste. Fizemos uma passagem seca a bombordo afim de checar as informações de vento no convoo e de ficarmos no visual da torre. O Águia 57 recebeu a autorização par abandonar a formatura, com curva à esquerda, mantendo 300 pés após determinação da torre do navio. Fiz dois circuitos de espera, e finalmente, recebi a autorização para entrar na aproximação final. Pedi para o 1P acusar a final. Cheque pré-pouso completo, toquei no spot 5. Era a primeira vez que uma aeronave brasileira beijava o convoo daquele grande navio.O Navio é moderníssimo. Fruto de uma nova geração de navios-aeródromos, a Nave Cavour é um navio multi-propósito construído para operações aeronavais com helicópteros e jatos AV-8B V/STOL. Possui a capacidade de embarcar viaturas de fuzileiros navais, tornando-o uma arma, sobretudo, de projeção de poder sobre terra. Contudo, sua primeira missão real seria muito mais nobre: a ajuda humanitária. O navio foi carregado de tudo o que seria possível para ajudar a população haitiana de imediato. Leite, arroz e água, entre muitos outros gêneneros ocupavam juntamente com tratores, empilhadeiras e escavadeiras, mais da metade do hangar. As aeronaves ficaram espotadas no convoo, juntamente com ambulâncias e viaturas dos Carabinieri a famosa polícia italiana."
A missão que durou cerca de dois meses envolveu momentos de muita aprendizagem e trabalho. Porto Príncipe, como todos acompanharam pelas notícias que saíram na mídia, reunia navios de vários países do mundo, assim como também o aeroporto do país que concentrava um movimento atípico de aeronaves estrangeiras. Em terra, havia a grande massa humana caminhando a esmo, sem destino, pedindo ajuda, procurando por parentes perdidos, buscando alimento e atendimento de médicos e enfermeiras que trabalhavam nas ruas em barracas transformadas em hospitais.
A agitação nos céus ficava por conta dos helicópteros que transportavam feridos, alimentos, remédios. Duda comentou um pouco dessa rotina : "Voos de EVAM começaram a se intensificar. Uma menina de 8 anos, em coma com grave traumatismo craniano foi trazida a bordo a fim de ser operada, e logo em seguida foi removida. A sistemática do apoio médico no Cavour funcionava da seguinte forma: feridos necessitados de cuidados maiores, que pudessem ser evacuados e que pudessem ser tratados a bordo eram trazidos em aeronaves SH-3D e EH-101 para bordo. Sua permanência era rápida - apenas o suficiente para que sua recuperação fosse acelerada e seu estado de saúde melhorasse. Desta forma, a enfermaria do navio não ficaria lotada, permitindo uma rotatividade maior, e por consequência um maior número de atendimentos.Um padre haitiano com uma grave lesão em uma das pernas e com amputação acima do joelho foi trazido a bordo.Seu quadro de saúde era delicado, devido a uma infecção na perna, o que poderia ocasionar a perda inclusive de seu joelho. O padre foi colocado numa câmara hiperbárica localizada dentro do hangar do navio, onde submetido a uma pressão rica em oxigênio, seu processo de cura seria mais rápido. Após a exposição na câmara hiperbárica, e feito uma cirurgia por um médico brasileiro do ministério da saúde, o padre foi levado de volta ao Haiti."
Momentos de profunda fragilidade humana são registrados nessas horas de dor e sofrimento, mas quase sempre acompanhados de verdadeiro acolhimento: " Um menino de uns 7 anos de idade, desembarcou da aeronave. Seu olho direito estava coberto por bandagens. Parecia assustado, com um semblante que registrava não entender muito bem o que se passava a bordo. Uma enfermeira italiana imediatamente começou a fazer carinho em sua cabeça, de modo que ele ficasse mais tranquilo. Parece que funcionou."
Sempre funciona! Quando há uma intenção sincera de ajuda e cooperação somos tocados de imediato.Nestas circunstâncias, todos nós independente da idade que se tenha, busca conforto emocional, aconchego e reconhecimento.
A grande questão que envolveu essa tragédia no Haiti foi a espetacular mobilização internacional que moveu a Terra para uma missão completamente diferente de tantas outras que já fizeram parte da história humana, como a primeira e a segunda grande guerras mundiais.Podemos perceber que caminhamos para uma nova fase de nossa jornada humana, onde países de culturas e interesses diversos são capazes de se unirem para proteger e não atacar. Se unem para conciliar e não separar. Se unem para somar e não dividir...
A verdade é que a dor, a despeito de todo sofrimento que traz, também é capaz de realizar mudanças e transformações pessoais muito profundas em todos nós!
Registro aqui o sentimento de gratidão do meu filho Duda: "Agradeço a oportunidade de ter voado em conjunto com a Marinha Italiana e ter participado de uma missão real de ajuda humanitária internacional!"