segunda-feira, 3 de maio de 2010

AS FÁBULAS QUE CARREGAMOS DENTRO DE NÓS...


Toda criança gosta de fábulas, principalmente a criança que mora dentro de nós.
A explicação para isso é simples: as fábulas que ouvimos um dia de nossos avós e pais e que repetimos para nossos filhos e netos, são sempre instrumentos e ferramentas de conteúdo moral que despertam dentro de nós valores importantes para a vida - elementos que usaremos em nosso processo de educação -  nos relacionamentos e no convívio social, mesmo que em nossa infância não tenhamos consciência desse uso.
Na verdade, gostamos das fábulas porque elas envolvem movimento, interatividade, entretenimento mas principalmente porque nos vemos e nos enxergamos através delas!
As fábulas são como espelhos mágicos onde nos vemos refletidos de forma lúdica e por isso mesmo se desejarmos, são valiosos instrumentos de autoconhecimento pela vida afora...
O maior fabulista que já existiu foi Esopo, um grego que viveu no século VI a.C. e que usava os animais dando-lhes vozes, atitudes e expressões tanto quanto os homens, para que nós, os próprios, nos vendo através dos bichos, nos entendêssemos melhor .  Não se sabe muito a respeito de Esopo, que acabou resgatado em sua memória,  por causa de outro fabulista espetacular, que foi Jean de La Foutaine.
O francês La Foutaine, que viveu entre 1621 e 1695, cresceu em meio à natureza e em função disso, desenvolveu o hábito de observar (e aprender!) com os animais, considerados pelo grande escritor, verdadeiros filósofos...a criatividade, a percepção e discernimento de La Fountaine renderam a ele um honroso lugar na Academia Francesa em 1684 e o respeito de toda a corte do rei Luís XIV. Voltaire (que não era dado a esse comportamento!) teceu elogios rasgados a La Foutaine e as fábulas, com que ele descrevia a arrogância humana de então e a erudição cultural, que precisava a todo custo, ser rebuscada para impressionar. Disse Voltaire certa vez sobre o fabulista francês: "...Acredito que, de todos os autores, La Fountaine...é para todo tipo de espírito e para qualquer época" 
Voltaire sabia o que estava dizendo! Qualquer época mesmo...vamos exemplificar isso buscando La Fontaine. Quase todo mundo conhece a fábula da raposa e do corvo, mas não custa relembrar a história que descreve com precisão e propriedade a questão da lisonja, da sedução, da esperteza e do orgulho...vamos a ela!
Em cima de uma árvore um corvo se preparava para devorar um pedaço de carne, quando uma raposa parou e olhando para ele exclamou sedutoramente: "Que bonito o senhor é Sr. Corvo, com essas penas tão reluzentes e brilhantes...imagino seu canto, deve ser o mais lindo de toda essa floresta!" - O corvo então seduzido pelas palavras da raposa, abriu o bico para cantar deixando cair o pedaço de carne, que obviamente foi surrupiado pela esperta raposa!
Moral da fábula: Como corvos, nós nos deixamos embalar pelos elogios que muitas vezes não refletem a verdade, mas suprem em nós uma carência interior profunda de sermos aceitos, valorizados e apreciados pelos outros. Também como corvos, somos ingênuos permitindo que qualquer sedução vulgar nos embriague a ponto de nos deixar vulneráveis a julgamentos, opiniões e situações complicadas e dolorosas. Falta-nos o conhecimento verdadeiro de nossas potencialidades, virtudes, falhas e defeitos. Não nos conhecemos, assim somos manipuláveis, manipulados e usados pelas raposas a solta no mundo.
Como raposas, nos achamos espertíssimos, sempre a postos para a primeira oportunidade de tirarmos vantagem de algo ou alguém. Também como raposas desdenhamos daqueles que não possuem esse senso de oportunidade que nós temos. As raposas afinal, sempre encontram uma maneira de manipular, seduzir e enganar pois o mundo está cheio de "iscas" dando sopa...
Tanto Voltaire, com seu senso de observação a respeito do trabalho de La Fontaine, quanto o próprio, conheciam a alma humana tão frágil e entregue às vicissitudes e sofrimentos da vida...
Muito antes disso, Sócrates já dizia que o caminho da felicidade estava em conhecer-se a si mesmo, pois só pelo autoconhecimento nos educaríamos para a vida. Com a mesma intenção falou Jesus no exame de nossas faltas e Santo Agostinho na necessidade diária de avaliarmos nosso comportamento em relação ao nosso próximo e a nós mesmos.
Mas o fato é que vivemos tão para fora de nós, vivemos tanto para as aparências e exterioridades, tanto para sermos aceitos, para desempenharmos os papéis que esperam de nós que esquecemos de nos olhar verdadeiramente! O que dirá então, nos avaliarmos interiormente?
Somos muitas vezes autômatos nas nossas atitudes, agindo por agir, falando por falar, vivendo para os outros e não para nós, esquecendo as fábulas que carregamos dentro de nós e que se as usássemos mais, faríamos um pouco como nos preconizou La Fontaine, Sócrates e acima de tudo, Jesus, o maior de todos os educadores que já passaram pela Terra!
E se não somos mais crianças ou matamos a criança que existia em nós e assim esquecemos todas as fábulas que um dia ouvimos de nossos pais, temos sempre um outro roteiro (infalível!) a nossa disposição para nos conhecermos melhor: as bem-aventuranças ou o Sermão da Montanha proferido nas colinas de Kurun Hattin no lago de Genesaré por Jesus.
Mahatma Gandhi, num de seus muitos momentos de iluminação, disse que se todos os livros que existem no mundo se perdessem ou fossem queimados e só sobrasse as bem-aventuranças, a humanidade estaria salva!
O que será então que nos falta a todos para nos conhecermos melhor e nos salvarmos de nós mesmos?!!

Dica de leitura: "La Fontaine e o comportamento Humano" de Francisco Do Espírito Santo Neto ditado por Hammed.
"O  Sermão da Montanha" texto integral de Huberto Rohden